Para a terceira entrevista da série com pessoas que impactaram em nossa história, a IMBR Agro entrevistou o Kieran Gartlan (KG), Managing Director do The Yield Lab. Kieran possui quase 30 anos de atuação no agronegócio internacional, passando por diferentes instituições financeiras, dentre elas o Santander e a Bolsa de Chicago. Desde 2016, Kieran está no universo de Venture Capital e das startups, e em 2018, ajudou a abrir o braço do The Yield Lab aqui no Brasil, e desde então trabalha nas operações com foco na América Latina.
A entrevista foi conduzida por Hernan Angulo (HA), um dos founders da IMBR Agro.
HA: Kieran, em primeiro lugar, em nome da IMBR Agro, agradecemos a possibilidade de fazer essa entrevista. Você possui experiência de anos analisando o agronegócio brasileiro e, especialmente agora dentro da The Yield Lab, está dentro das principais inovações que ocorrem no mercado e de tecnologia de ponta. Sempre que você conhece uma nova startup e se envolve com elas, qual é a primeira característica que você procura nelas para verificar se essa startup possui potencial? E por que esse é o ponto que você prioriza?
KG: É um prazer, Hernan, ótima pergunta. Primeiramente, tenho que ressaltar que todas as respostas são com meu chapéu de Venture Capitalist (VC). O critério do Corporate Venture Capital (CVC) ou investidor-anjo, muitas vezes vai ser diferente do que o critério usado pelo VC, que é principalmente motivado pelo retorno financeiro dentro de um prazo determinado de tempo (normalmente 10 anos). O Corporate pode investir por motivos estratégicos, e o anjo por emoção, porque gosta do empreendedor/ideia. Já, os critérios de investimento usado por VC podem ser resumidos em quatro pontos:
1º) Time: Os empreendedores têm experiência no mercado que vai atrás? Conhecem profundamente o problema que estão resolvendo, ou a oportunidade que estão oferecendo? Estão com algum insight único de mercado ou problema/oportunidade? Se está muito focado no produto/tecnologia, em vez de estudar e conhecer melhor como o mercado funciona, é sempre uma bandeira vermelha, porque ainda está em fase de conhecimento/market research.
2º) Timing: O mercado está pronto para ser disruptivo? Por isso também é importante conhecer seu mercado profundamente. É muito comum ver tecnologia que parece ser ótima, mas o mercado acaba não adotando porque não é a hora certa.
3º) Tração: Você tem um “product hook”, ou vantagem de distribuição. O modelo de negócios é fácil de escalar e repetir? Sempre procuramos por soluções asset-light, com mais tecnologia em vez de mão de obra, e modelos SaaS e B2B ou B2B2C. Buscamos crescimento de 2x a 3x, a cada 18 meses.
4º) Mercado: Tem um grande potencial para atacar vários mercados, inclusive fora do Brasil? O mercado é de fácil acesso? Tem concorrência? Você tem alguma vantagem desleal?
HA: A The Yield Lab está presente em diversos locais do mundo, como nos Estados Unidos, Europa e América do Sul, e trabalhando de perto com a inovação dentro do agronegócio internacional. Qual é o desafio de estar presente em diferentes partes do planeta, pensando principalmente que a agricultura tem suas particularidades em cada um desses locais? E o que você vê como característica comum entre startups do agro que conseguiram se internacionalizar?
KG: Quando o Yield Lab começou nos EUA em 2014, nossos investidores iniciais eram pessoas ligadas a multinacionais agrícolas, como Monsanto, John Deere, Purina e outros. Entendemos desde o início que o mercado agrícola e de alimentos é global e por isso desenvolvemos um modelo internacional de crescimento. Além dos EUA, o Yield Lab tem fundos na Europa, Ásia, América Latina, e em breve abriremos na África. Como buscamos por “local, regional e global champions”, é importante nós também sermos globais para enxergar tendências e insights. Também é uma forma de ajudar nosso portfólio a ter um soft landing em uma região nova, através do nosso network, incluindo investidores, hubs, startups e corporates.
Como mencionei na pergunta anterior, uma das características que procuramos em um startup é a capacidade de internacionalização. A principal característica que tem que ter é ambição para escalar rápido e expandir para novas regiões. Tendo uma base ajuda bastante para contratar pessoal etc., mas o desejável é que o business model está resolvendo uma dor ou sendo disruptivo no supply chain como um todo, ao invés de uma dor muito específica de um produtor, pois as condições no campo são muito variadas dependendo da região.
HA: Kieran, gostaria de fazer uma pergunta mais pessoal sua a sua trajetória. Você é irlandês, com sua formação acadêmica feita principalmente em Dublin, e em sua trajetória trabalhou na Europa, Estados Unidos, além daqui do Brasil, mas já há muito tempo tem como foco do seu trabalho analisar o agronegócio da América Latina e do Brasil. O que despertou o seu interesse em trabalhar com o agronegócio e, principalmente, o que te trouxe para o mercado daqui da América Latina e Brasil?
KG: Minha ligação com agricultura veio do fato de que eu fui criado numa fazenda de gado de leite na Irlanda. Como a gente era em seis crianças e a fazenda era bem pequena, não tinha oportunidade, nem tanto vontade, de ficar na fazenda. Por isso, acabei estudando economia na faculdade, mas quando me formei não tinha emprego na Irlanda, pois o setor financeiro era muito pequeno no começo dos anos 90. Aí eu aproveitei e viajei para fora em busca de oportunidade.
Morei em New York, Londres e Paris, mas foi só quando eu cheguei no Brasil em 1994, que eu senti que realmente tinha oportunidade. Era o começo do Plano Real e o Brasil era recente campeão do mundo. Parece que estava no local certo na hora certa. Consegui um trabalho com um banco local, Geral de Comércio, que foi comprado logo depois pelo Santander.
Em 1998 estava quase voltando para Irlanda, que estava numa época de crescimento muito forte (Celtic Tiger), mas surgiu uma oportunidade interessante de ser um correspondente para Dow Jones, na área de commodities, e eu aceitei. Tive oportunidade de viajar pela América Latina visitando e entrevistando fazendeiros de todos os tipos. Foi um trabalho muito interessante, que me permitiu conhecer muitas culturas e regiões agrícolas por toda a América Latina.
Logo depois foi contratado pela Bolsa de Chicago para ser responsável pela área de commodities na América Latina. Em 2016, fui convidado pela bolsa para ir para Chicago para trabalhar com a área de Corporate Ventures da bolsa (CME Ventures), e foi aí que comecei a entrar no mundo das startups, incluindo AgTechs.
Em 2018, conheci a startup Argentina, Agree Market, um marketplace digital para o mercado físico de grãos, que foi o primeiro investimento do Yield Lab na América Latina, e começamos a trocar ideias sobre o potencial da AgTech na região. No final de 2018 sai da Bolsa para voltar para o Brasil e abrir o escritório do Yield Lab no Brasil. Já fizemos 5 investimentos por aqui, e 17 nos demais países da América Latina, e estamos no processo de montar nosso terceiro fundo de $50 milhões de dólares.
HA: E por último, Kieran, você que já trabalhou perto de diferentes startups ao longo dos anos, e é conselheiro de startups de sucesso daqui do Brasil, qual é o conselho você deixaria para um jovem empreendedor, ou uma nova startup, que está começando a trabalhar dentro do agronegócio brasileiro/internacional?
KG: O principal conselho é “Know your Customer”. Pode até parecer óbvio, mas ainda é muito comum conhecer startups que estão procurando por product market fit, porque não ficou claro qual é o problema que eles estão resolvendo e para quem.
Agricultura é um setor muito complexo e repleto de problemas e ineficiências. Às vezes para quem está olhando de fora, as coisas não parecem fazer muito sentido. Porque um produtor prefere ligar para alguém na hora de comprar insumos ou vender seu produto, em vez de usar uma plataforma eletrônica, onde ele pode ter mais informações e ofertas melhores? Muitas vezes é uma questão de relacionamento, ele precisa desse contato com pessoa que ele conhece e confia, e valoriza isso mais do que um preço melhor.
No começo muitas AgTechs focavam em soluções de gestão ou agricultura de precisão, para melhorar a produtividade ou diminuir custos. Só que a tração foi muito difícil. Precisava visitar o fazendeiro no campo, tinha uma janela custo de oportunidade de venda (logo depois da colheita), e muitas vezes o produtor enxergava a solução como mais um custo (igual a insumo), e se ele tivesse capital, optava por usar mais fertilizante ou melhores sementes em vez de apostar em tecnologia digital.
Produtividade não era um problema crítico, era um “nice to have” e não um “need to have”. Depois o foco mudou para fora da porteira, na parte de crédito. Isso sim, é um problema crítico para o produtor. Sem crédito, ele nem consegue plantar. Por isso estamos vendo muita tração das AgFinTechs e estas vão abrir um canal de distribuição para outras tecnologias entrarem para “dentro da porteira”, para gerenciar melhor o risco de crédito, e também para permitir maior impacto na forma de como o produtor produz (questões de ESG, por exemplo). Por fim, o segredo é descobrir o que deixa seu cliente sem dormir à noite, e oferecer uma solução para isso.
Para conhecer um pouco mais do trabalho do Kieran Gartlan e do The Yield Lab / The Yield Lab LATAM, você pode encontrá-los no LinkedIn!
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